Sinto que algures entre a menina risonha, alegre, sonhadora e a mulher que sou hoje... muito se perdeu, muito de mim se foi perdendo ao longo do tempo...
Precisei de pessoas ao meu lado que não estiveram presentes... continuo a precisar e continuam a não estar...
Sinto sobretudo que a vida, tudo o que passou por mim, me entristeceu... Há quem diga que tenho um olhar triste... não sei se o terei, não é consciente, mas sei que até hoje ando a procura da menina, da sua alegria, do seu ingénuo acreditar que tudo é possível e continuo sem a encontrar. Sinto-a perdida à medida que os sonhos de infância, de adolescente e até mesmo os de adulta vão desaparecendo.
Não acredito que tudo o que vivemos torna-nos mais fortes... fica bem a frase em canções, mas não acredito. Pode ensinar, mas fortalecer ? Não. Muito do que vivemos de menos bom, deixa-nos marcas para sempre...
Acredito sim, que uma criança deve brincar, sonhar e ser feliz, mas não apenas enquanto é pequena. Acredito que deve ser incentivada a continuar a sonhar, a lutar pelos seus objectivos, deve ser apoiada e sobretudo amada, muito amada... Para que a magia do que era na infância não se perca para sempre... Na pessoa que podia ter sido e naquilo que realmente se tornou.
E há alturas em que mesmo adultos, nos sentimos engolidos pela vida, pelo que passamos. Sentimos-nos pequenos, muito pequenos, frágeis e a precisar de ''colo'' tal como a criança que um dia fomos.
Sinto que estive presente, quando precisaram, que dei tudo de mim e fui adiando o que nunca deveria ter sido adiado. Coloquei os sonhos de outros, as necessidades de outros à minha frente e à frente do que eu sonhara e tinha planeado para o meu futuro. Sei que o fiz com todo o amor, penso que é assim que devemos agir com aqueles que são do nosso sangue (e não só) e na altura o que fiz pareceu-me correcto, mas hoje adulta, sei que deveria ter sido diferente. Sei que eu é que era a jovem menina e não deveria ser eu a agir como adulta, num tempo em que o que devia fazer seria estudar, namorar e ser feliz.
Custa-me sobretudo, não sentir qualquer gratidão, não que esperasse uma palavra, um obrigado. Mas que essa gratidão se traduzisse em gestos, em preocupação, em carinho e em amor. Porque amor, precisamos sempre ao longo da nossa vida.
Custa-me ainda saber, que no meio de uma luta, que não era minha, eu era apenas a filha, nada mais, houve quem me esquecesse, ou se não esqueceu, age como tal, desde essa altura e sei que assim vai continuar...
No entanto e durante todo este tempo, a criança que fui, teve um menino com quem brincava. Na adolescência e principio da idade adulta, enquanto toda a sua estrutura familiar se desmoronava (na realidade nunca esteve inteira) nas vezes que aparecia a chorar à sua porta, teve um jovem que a confortou, apoiou e foi a sua família e sei que esse jovem, hoje homem, continua a ser o meu porto de abrigo. Mesmo longe, mesmo noutro país e eu sinto-me grata por o ter na minha vida, sinto-me grata por este amor. Obrigada meu amor, por tudo...
Quanto ao que se perdeu de mim, talvez um dia consiga recuperar... Talvez um dia volte a acreditar que tudo é possível, que em vez do olhar triste, estes olhos grandes e castanhos, como dizes amor, se voltem a iluminar... Talvez um dia... ⦁